Editorial

Livros eletrônicos vão substituir os livros de papel?

Juliano Niederauer
1º de novembro de 2002

Não sou nenhum profeta para predizer que os livros eletrônicos, ou e-books, vão substituir os livros de papel, mas se um dia isso ocorrer acho que não estarei aqui para presenciar. A tendência é que esse seja um processo gradativo que só terá fim quando se extinguirem as gerações que foram alfabetizadas com o uso de meios impressos, ou seja, daqui a muitas décadas. De qualquer forma os fabricantes de papel e celulose devem estar muito atentos, pois o livro eletrônico é um produto substituto (como diria o guru Michael Porter), já é uma realidade e promete mudar radicalmente a leitura e comercialização da nossa literatura.

Em um primeiro momento você pode pensar que o livro eletrônico cansa a vista, já que devemos manter o olhar fixo na tela de um dispositivo eletrônico. Esse é realmente um problema considerável, e como prova disso posso citar o Sr. Bill Gates, dono da Microsoft, que prefere imprimir qualquer documento que tenha mais de quatro páginas, para não ter que ficar lendo na tela do computador. No entanto, com as novas tecnologias (como os displays de cristal líquido), esse problema não será um empecilho para a disseminação dos e-books. Portanto não teremos que expor nossos olhos a tanto brilho e radiação, o que nos causaria um verdadeiro estresse ocular.

Neste artigo você vai aprender um pouco mais sobre os livros eletrônicos, além de conhecer suas principais vantagens e desvantagens. Para começar, quais são os tipos de e-books existentes? Já existem diversos sites que disponibilizam e-books gratuitamente para download, normalmente em formato PDF. Nesse caso o conteúdo pode ser visualizado na própria tela do seu computador, basta um clique para "folhear" o livro. Inclusive muitas editoras já disponibilizam em seus sites versões eletrônicas reduzidas das obras originais, que servem como uma espécie de test-drive para o leitor decidir se compra ou não a obra. Outros sites vendem diretamente o formato eletrônico com um preço reduzido em relação ao preço de capa. Bom...até aqui tudo deve estar parecendo muito normal para você, afinal, visualizar um e-book é quase a mesma coisa que abrir e ler um documento do Word, por exemplo. Mas, imagine se você pudesse carregar um livro eletrônico no bolso. Não conseguiu imaginar? Talvez as Figuras 1 e 2 possam ajudá-lo.


Figura 1. RocketBook

Figura 2. SoftBook

É isso mesmo, esses modelos têm o tamanho de um livro de bolso. E o mais fascinante é que dentro de um aparelhinho desses podemos armazenar diversos livros, ou seja, podemos carregar nossa biblioteca no bolso! O Softbook, mostrado na Figura 2, vem até com uma capa de couro e cheiro de livro novo para incentivar os mais conservadores. Os modelos existentes possuem discos PCMCIA com capacidade para armazenar milhares de livros simultaneamente, alguns inclusive com suporte a vídeos e animações! Mas vamos com calma, senão daqui a pouco isso vai virar uma TV portátil ao invés de um e-book.

A ideia desses aparelhos é exibir uma lista de títulos disponíveis, e permitir ao leitor selecionar a obra que será exibida na tela para leitura. Se você quisesse, por exemplo, fazer um filtro para mostrar somente as obras dos três melhores autores brasileiros, seria exibida uma lista apenas com os livros de Paulo Coelho, Jorge Amado e Juliano Niederauer :-). Bom...brincadeiras à parte, você deve estar achando tudo isso muito bonito, mas não pense que já viu tudo, pois agora vou mostrar um terceiro tipo de e-book que provavelmente será novidade para você. Trata-se do livro eletrônico com formato de livro comum, com páginas e tudo mais! É verdade, por incrível que pareça já existe o papel eletrônico! Veja na Figura 3 como deve funcionar esse modelo.


Figura 3. Como deve funcionar um livro eletrônico

Os primeiros papéis eletrônicos surgiram no ano 2000, criados pela unidade de pesquisa e desenvolvimento da Lucent Technologies. Para produção da imagem eram utilizados os mesmos transistores de silício presentes nos displays dos computadores. Porém, apesar de possibilitarem o armazenamento de uma grande quantidade de dados em dispositivos pequenos, esses transistores são muito rígidos, impossibilitando que haja a mesma flexibilidade e conforto proporcionados por um papel normal. Então, para aumentar a flexibilidade do papel eletrônico, surgiu uma tecnologia que utiliza o plástico ao invés do silício. A Figura 4 mostra um papel eletrônico criado com a tecnologia dos transistores plásticos.


Figura 4. O papel eletrônico

Bom...agora que você já sabe um pouco mais sobre os e-books, veremos quais são as suas vantagens e desvantagens em relação aos livros de papel. Afinal, tudo na vida tem um lado bom e um lado ruim, menos o disco de vinil do Reginaldo Rossi. Começando pelas desvantagens, os livros de papel não consomem energia, ao contrário dos livros eletrônicos (já imaginou ter que trocar as pilhas para continuar lendo seu livro?). Claro, pois se estivermos usando um dispositivo eletrônico corremos o risco de terminar a bateria ou do aparelho pifar e ter que ir para a assistência técnica. Imagine se a professora solicitar a leitura de um livro, e na aula seguinte o Joãozinho diz: "Professora, não pude ler porque meu livro está na assistência técnica". Outra coisa, recentemente meu HD simplesmente pifou e eu perdi muitas informações importantes armazenadas ali. Se acontecesse isso com o disco do meu e-book eu correria o risco de perder toda minha biblioteca se eu não tivesse um backup dos livros. Já os livros de papel não precisam de backups!

Pode-se citar também as desvantagens emocionais, como a questão estética, afinal é muito bonito ter uma prateleira cheia de livros em casa para mostrar aos amigos, não é? Isso não seria possível com o e-book, já que todos os livros estariam dentro de um só. O custo também é um problema, esses aparelhos são caros porque utilizam tecnologia avançada, e com isso eles só estariam disponíveis para uma pequena parcela da população. Tem também a questão da dificuldade de uso, pois muitas pessoas têm sérios problemas ao lidar com dispositivos eletrônicos. Nas eleições do último dia 6 de outubro, por exemplo, houve casos de pessoas que demoraram 18 minutos para digitar alguns números na urna eletrônica.

Em relação aos e-books visualizados na própria tela do computador, queiram ou não, eles cansam a vista sim, principalmente se o monitor for de tubos de raios catódicos (CRT). Os monitores de cristal líquido (LCD) ainda são muito caros, aproximadamente três vezes mais que os CRT. Passe a noite lendo um livro na tela do computador para ver se no dia seguinte você não acorda com os olhos vermelhos.

E finalmente a última desvantagem, que para mim é a principal: os direitos autorais. É como a pirataria no mundo da música. Um cantor trabalha meses para gravar um CD, e quando fica pronto surgem as cópias piratas em vários camelôs da cidade. O mesmo aconteceria com os autores, pois estando os livros em formato digital torna-se fácil copiá-los. Ao invés de receber direitos autorais pelas obras vendidas, o autor veria a reprodução e disseminação de suas obras pela Internet, sem receber nada por isso.

Por um lado isso é bom, visto que seu trabalho seria difundido rapidamente, mas tem também o lado negativo, pois além de não receber direitos autorais, pode ocorrer a falsificação. Isso ocorreu recentemente com uma editora brasileira, que prefiro não citar o nome por questões éticas. Um (pseudo)autor enviou para editora um texto que ele dizia ter escrito para ser publicado em formato de livro. Pois bem, a editora publicou, e depois descobriu-se que o texto havia sido todo copiado de um site que apresentava esse texto em formato de curso. E para piorar, até os erros de português foram copiados junto. E para piorar mais ainda, até um exemplo de programa que apresentava o nome do verdadeiro autor foi publicado junto. Não cabe a mim avaliar se nesse caso a editora tem culpa ou não, mas esse é um fato que serve para ilustrar a situação.

Depois de todas essas desvantagens você já deve estar desistindo de aderir aos e-books, mas vamos às coisas boas agora. Começando por uma vantagem ecológica, com os livros eletrônicos a tendência é que seja reduzida a necessidade de cortar florestas para produzir papel. Para a alegria do Greenpeace! Em relação às telas, com o avanço da tecnologia a tendência é que elas fiquem cada vez mais nítidas, finas e menos prejudiciais aos nossos olhos.

Para os editores então as vantagens são maiores, pois utilizando os livros eletrônicos eles não precisariam pagar intermediários (cuidado distribuidores!), além de não correr o risco de ficar com o estoque encalhado se não houver sucesso nas vendas. Vale o contrário também, visto que no Brasil milhares de edições de livros se esgotam anualmente. Uma edição de um e-book não se esgota nunca! O alcance também é muito maior, a distribuição é feita em nível mundial através da Web, ou seja, os livros chegarão em locais onde nem existem livrarias. A disseminação é extremamente rápida e a editora pode fornecer correções e atualizações com muita agilidade. Conseqüentemente, irá aumentar não só a velocidade de retorno para a editora, mas também a velocidade de circulação da informação e distribuição do conhecimento.

Para os estudantes o livro eletrônico seria excelente, pois ao invés de carregar na mochila livros de Geografia, História, Matemática, Português, entre outros, bastaria carregar um único livro. Seria muito mais prático e evitaria problemas de coluna causados pelo carregamento excessivo de peso nas costas.

Confrontando as vantagens e desvantagens apresentadas, acredito que o livro eletrônico pode dar certo sim. Porém, existem opiniões contrárias. Posso citar como exemplo o caso do escritor brasileiro Mário Prata, que recentemente escreveu um livro online. O escritor, através de um site no Terra, escrevia um capítulo por dia de sua nova obra "Os Anjos de Badaró", que seria vendida em formato de e-book. Os leitores que acessavam o site podiam acompanhar linha a linha o que o escritor digitava. Parece que ele não ficou muito satisfeito com o resultado: "O livro eletrônico acabou. Não deu certo. Fez parte de uma experiência que não vingou. Quem você conhece que lê esse tipo de livro? Foi uma coisa de momento", disse ele. Calma Sr. Mário Prata, não sejamos tão radicais. Como eu disse no início desse artigo, os e-books não vão substituir os livros de papel (pelo menos nas próximas décadas), mas não há dúvida que as versões digitas serão (ou melhor, já são) uma alternativa em relação às versões impressas.

Então era isso! Espero que eu tenha conseguido passar algum conhecimento para você no que diz respeito ao futuro da leitura e comercialização de nossa literatura. Mas, independente do meio em que os livros serão publicados, o fato é que hoje o brasileiro ainda lê muito pouco (muito pouco mesmo!). É uma situação até preocupante, visto que a partir dos 10 anos de idade, tirando os livros obrigatórios para a escola, a média de leitura do brasileiro é de menos de 1 livro por ano. Então vou terminar esse artigo deixando um recado aos leitores e às editoras. Para os leitores brasileiros: não considerem o livro como um custo, mas sim como um investimento. Para as editoras: antes de se preocuparem com as tecnologias disponíveis para publicação, preocupem-se em fazer livros interessantes, de bom conteúdo, pois dessa forma eles serão apreciados seja qual for o meio de publicação: impresso, eletrônico, madeira, gesso, pedra, pano, ferro, latão, ouro, prata, bronze, cobre, plástico, osso, cerâmica, cimento, alumínio, argila, alabastro, concreto, látex, estanho, mármore...

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